Muito além do que foi dito pela fogueira da Inquisição
A palavra “bruxa” carrega séculos de medo, fascínio e repressão. Mas antes de ser perseguida, queimada e moralmente condenada, a bruxa foi — e continua sendo — a guardião do saber ancestral, da cura com ervas, da intuição e da conexão com os ciclos da natureza.
Para entender de onde vem a bruxaria moderna, precisamos olhar para muito além dos grimórios europeus: devemos voltar às origens da humanidade.
Xamanismo: O primeiro passo mágico da humanidade
As primeiras manifestações mágicas aconteceram quando o ser humano ainda vagava como caçador-coletor. A magia não era algo “esotérico”: era uma estratégia de sobrevivência. Em tribos nômades, cerimônias simbólicas imitavam caçadas para garantir sucesso no dia seguinte. Os homens dançavam ao redor do fogo com máscaras de animais, canalizando arquétipos e forças invisíveis.
Enquanto isso, as mulheres reuniam sementes, frutos e — o mais importante — ervas medicinais. Cuidavam dos enfermos, das grávidas, das crianças. E, ao fazerem isso, tornaram-se curandeiras, parteiras, feiticeiras.
É nesse momento da história que começamos a ver os primeiros indícios do que, mais tarde, o mundo chamaria de “bruxaria”.
Mistérios femininos, saberes silenciados
Ao contrário do que nos fizeram crer, essa divisão entre “magia masculina” e “magia feminina” não era desigual — era complementar. Os homens invocavam forças da caça; as mulheres lidavam com as da cura, do sangue, do nascimento e da morte. Ambas práticas exigiam respeito, conhecimento e ligação profunda com o mundo espiritual.
Por isso, não é coincidência que o medo e a perseguição à bruxaria tenham aumentado quando o feminino começou a ser suprimido pelas novas religiões patriarcais. A Igreja, ao transformar a palavra wicce (originalmente neutra e até respeitosa) em witch, construiu a imagem da “bruxa” como um ser perverso — quando, na realidade, ela era apenas uma mulher sábia.
A bruxa e a aldeia: muito antes da palavra existir
Antes das grandes religiões, existia o respeito pela sabedoria ancestral. Em cada vila, existia uma figura — homem ou mulher — responsável por compreender os ciclos da lua, prever colheitas, tratar doenças e realizar rituais de passagem. Essa pessoa era o elo entre o visível e o invisível.
Chamavam-na de vitki (nos países nórdicos), strega (na Itália), curandeira, sacerdotisa, benzedeira. A palavra mudava, mas a função era a mesma: proteger a comunidade com saberes passados de geração em geração.
A sobrevivência da Deusa sob o véu do cristianismo
Quando o cristianismo se expandiu pelo Império Romano, absorveu muitos elementos das religiões anteriores para facilitar a conversão. O culto à Deusa, presente em figuras como Ísis, Ártemis e Diana, foi reconfigurado no dogma da Virgem Maria — uma mulher santa, mas sem poder, sem sexualidade e sem autonomia.
Mesmo assim, o arquétipo da Deusa sobreviveu. Continuou presente nos cultos populares, nos santuários rurais, nas orações às “santas” que curavam, protegiam e orientavam. A bruxaria, por sua vez, se escondeu, se transformou — mas nunca desapareceu.
A verdade que ressurge das sombras
Hoje, ao falar de bruxaria, não estamos invocando o mal — estamos resgatando um elo perdido com a natureza, com nossos ancestrais e conosco mesmas. Estamos reconstruindo saberes queimados nas fogueiras, mas vivos na memória coletiva.
Bruxaria não é um culto. Não é uma moda. É uma forma de olhar o mundo com reverência, empatia e profundidade. É lembrar que somos parte dos ciclos e que temos, dentro de nós, o poder de transformar e curar — a nós mesmas e o mundo ao redor.
A bruxa moderna: quem é ela?
Ela pode usar preto ou florido, viver na cidade ou na roça. Pode ser herbalista, astróloga, taróloga ou apenas uma mulher que respeita sua intuição. A bruxa de hoje é quem escolhe caminhar com consciência, autenticidade e conexão ancestral.
E em cada ritual, erva, pedra ou palavra, ela reafirma: não fomos queimadas. Somos descendentes das que sobreviveram.
Nenhum comentário: